O Brasil vive um alerta epidemiológico silencioso: os casos de sífilis têm aumentado de forma consistente nos últimos anos, mesmo com campanhas de prevenção e oferta gratuita de testes e tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo o mais recente boletim do Ministério da Saúde, publicado em outubro de 2024, entre 2010 e junho de 2024 foram registrados mais de 1,5 milhão de casos de sífilis adquirida no país — um crescimento que evidencia falhas persistentes nas estratégias de contenção da doença. A médica infectologista Dra. Michelle Zicker, do São Cristóvão Saúde, explica que o avanço da infecção está relacionado a uma série de fatores. 
Sintomas traiçoeiros e subestimados - A sífilis é causada pela bactéria Treponema pallidum e apresenta sintomas distintos em cada uma de suas fases. Na fase primária, surge uma ferida indolor (o chamado cancro duro), que desaparece espontaneamente, levando muitos pacientes a acreditarem que estão curados. Na fase secundária, aparecem manchas na pele e sintomas como febre e mal-estar. Já nas fases latente e terciária, a infecção pode permanecer assintomática por anos ou causar graves danos neurológicos e cardiovasculares.
Apesar da oferta de testes rápidos nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), o Brasil ainda enfrenta barreiras no diagnóstico e tratamento. A falta de informação e de acesso adequado aos serviços de saúde impacta principalmente gestantes. Desde 2005, foram registrados mais de 713 mil casos de sífilis em gestantes, com a taxa de detecção nacional atingindo 34 casos por mil nascidos vivos em 2023.
Os dados são alarmantes também no caso da sífilis congênita. Entre 1999 e junho de 2024, foram 344.978 casos registrados em bebês com menos de um ano, com uma taxa de incidência de 9,9 por mil nascidos vivos em 2023.
“Ainda há falhas no acompanhamento pré-natal, na identificação precoce da doença nas gestantes e, principalmente, na adesão ao tratamento por parte das mulheres e de seus parceiros”, afirma a infectologista.
Mudanças - Zicker reforça que a camisinha ainda é a principal ferramenta de prevenção. “O uso regular da camisinha masculina ou feminina é essencial. Além disso, é necessário ampliar as campanhas de educação sexual, facilitar o acesso à testagem rápida e garantir o tratamento das parcerias para evitar reinfecções”, orienta. A especialista destaca ainda que a eliminação da sífilis congênita — considerada uma meta prioritária pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) — depende de uma abordagem mais eficiente e integrada. “Não basta ofertar o exame, é preciso garantir que ele seja feito, interpretado e que o tratamento e acompanhamento sejam seguidos corretamente até o fim”.
Enquanto isso, os números seguem crescendo. Em tempos em que outras emergências de saúde pública ganham destaque, a sífilis continua a se espalhar de forma silenciosa, cobrando um preço alto pela negligência coletiva.

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